quarta-feira, 15 de junho de 2011

A política tributária brasileira : o ICMS e a farra dos estados

Os impostos pagos pelas empresas e pelos contribuintes servem para financiar as ações do Estado. Segurança, educação, saneamento básico e saúde são alguns dos setores nos quais um governo investe o dinheiro arrecadado e converte em benefícios e serviços aos cidadãos. A arrecadação é ? desigualmente, e assim não poderia deixar de ser ? dividida entre municípios, estados e governo federal, e a re -distribuição também obedece a essa distorção.

A regulamentação é dada pelos Artigos 145 a 162 da Constituição Federal e Leis Complementares, quando necessário. Obviamente o legislador distribuiu a arrecadação entre os entes federados de acordo com a complexidade dos tributos e limitações das esferas. Assim, o IPTU (imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana), por exemplo, é arrecadado municipalmente, enquanto o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), é arrecadado estadualmente. E é justamente esse imposto que tem ocupado as manchetes dos jornais recentemente. 

O ICMS, regulamentado pela Lei Complementar nº 87/1996, incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares; prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores; a entrada de mercadoria importada do exterior, por pessoa física ou jurídica entre outras atividades. A autonomia dos estados em definir a alíquota desse imposto (importante observarmos que a Constituição não cria nem institui impostos, apenas outorga competências aos entes) possibilitou, nos marcos da economia capitalista, diga-se de passagem, que a competição entre os estados no que diz respeito à atração de investimentos privados se estabelecesse e se acirrasse, no que vem se chamando de guerra fiscal. Os estados, visando atrair empresas (e com isso empregos e investimentos financeiros) impõem uma alíquota de ICMS menor que a de outro estado. Assim, as empresas beneficiam-se do duelo entre os entes para se instalarem em um estado e não noutro. 

Quem perde e quem ganha nesse jogo? O Estado brasileiro de uma forma geral perde cerca de 14% do valor que poderia ser arrecadado caso a alíquota fosse unificada. O estado que deixa de abrigar a empresa perde em geração de empregos e benefícios indiretos. Ganha o estado que consegue atrair o investidor, mas esse estado também perde, pois teve que reduzir a alíquota até o limite. E a empresa sempre poderá mudar de estado, caso haja uma oferta de alíquota menor. A História já provou, em 1929 e 2008, que o mercado, por si só, não se auto regula e a intervenção estatal ? em menor ou maior grau ? é necessária. Ainda mais quando se trata da arrecadação de recursos que serão utilizados pelo próprio Estado e num país de grande extensão territorial e com desigualdades regionais tão latentes como o nosso. 
Uma das reformas que o Brasil precisa fazer, além da agrária e da política, é, sem dúvida alguma, a tributária. A Reforma Tributária é uma mudança na atual estrutura e na legislação de impostos, taxas e contribuições vigente no país. Ela afetará a vida da população, dos empresários e dos governos federal, estaduais e municipais, pois alterará, entre outras coisas, a forma como os recursos que são transferidos dos particulares para manter o sistema estatal e os serviços públicos serão arrecadados e distribuídos. A proposta do governo federal de uma reforma tributária fatiada, que comece pela redução e unificação das alíquotas de ICMS interestaduais, encontra forte resistência entre os estados das regiões Norte e Centro-Oeste, que temem perder a competição para os estados mais desenvolvidos, que detém mão-de-obra mais qualificada e melhor infraestrutura de transportes e comunicação, fatores que terão maior peso com as alíquotas unificadas. 

A resistência dos estados, entre outros fatores, como o lobby dos empresários, atravancou o processo de discussão e andamento da proposta de Reforma Tributária até aqui, mas, na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucionais os incentivos tributários dados por seis estados e pelo Distrito Federal, determinando que incentivos fiscais relacionados ao ICMS só podem ser concedidos por meio de convênios firmados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne Secretários de Fazenda de todos os estados. Foi uma decisão que promete ser o início de uma equalização tributária, senão pela via legislativa, mas pela via judiciária. 

Essa disputa parece longe de um acordo, mas sem dúvida a decisão do STF traz luz legal para uma disputa que encobriu, por muito tempo, a desigualdade existente entre os estados brasileiros, nitidamente divididos entre o Sul-Sudeste desenvolvido, ou seja, com extensa rede de transportes e comunicação, versus o Norte-Nordeste-Centro-Oeste desprovido de tais benesses. 
Para se ter uma ideia do volume de arrecadação do ICMS, no ano de 2010 foram R$ 270,7 bilhões. Podemos citar também o caso da maior universidade pública do país, a Universidade de São Paulo, que tem como fonte de financiamento os recursos do ICMS paulista, que em 2010 alcançaram a impressionante cifra de 66,8 bilhões de reais. 

Que a decisão do STF seja um passo no caminho rumo a uma Reforma Tributária que contribua, de fato, para a otimização da arrecadação desse imposto e , mais ainda, que o desnudamento dos reais motivos das disputas entre os estados brasileiros exponha questões de infraestrutura que precisam, de uma vez por todas, serem encaradas e resolvidas com seriedade e competência.

*Eleonora Rigotti é graduanda em Gestão de Políticas Públicas na Universidade de São Paulo (USP).

Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado,2009.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei Complementar nº 87, de 13/09/1996; In: – site oficial do Governo Federal -: planalto.gov.br ? Legislação ? Leis ? Leis Complementares.

Informe Aeplan Unicamp. [online] Disponível na Internet via correio eletrônico: http://www.aeplan.unicamp.br/Informe_Aeplan_86.pdf Volume 86, 24 de Janeiro de 2011.

Subcomissão da Reforma Tributária discute decisão do STF contra guerra fiscal. Disponível em Acesso em 5 jun de 2011.

Receita Estadual acompanha passo a passo a Reforma Tributária . Disponível em Acesso em 5 jun de 2011.

Governadores resistem à reforma tributária fatiada. Disponível em Acesso em 5 jun de 2011.

Secretários da Fazenda discutem reforma tributária em Fortaleza. Disponível em Acesso em 5 jun de 2011.

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